terça-feira, 18 de novembro de 2014

Recuerdos Del Paisito: ¿Qué Uruguay Tiene De Brasil?


Bem, ao que parece, esta é a última das últimas crônicas sobre o Uruguai. Começo a escrever, recordo o vivido e o relatado e constato que os dias no paisito já vão mesmo ficando longe... Só consegui mantê-los por perto até agora por causa das crônicas, sei disso. Mas chegada a hora da última delas, não há como não notar a passagem implacável do tempo. Consulto o caderninho de anotações; vejo que tudo, rigorosamente tudo foi contado.

Assim, para me despedir dos intrépidos brasileiros e uruguaios leitores desta série despretensiosa de crônicas, dedico-me a mostrar, afinal de contas, que traços o Uruguai guarda do Brasil; ao menos alguns deles, os que pude notar ao longo de uma semana. Porque há, sim, em muitas ocasiões, elementos que trazem de volta o Brasil aos brasileiros que passeiam ou mesmo moram no Uruguai.

Para começar, não é nada difícil ouvir o som do português brasileiro no Uruguai. Quase em todo lugar onde se chega, em muitas das esquinas que se dobra, se um brasileiro apurar o ouvido, muito certamente ouvirá o acento familiar de sua terra, principalmente nas áreas mais turísticas do país, agora que os brasileiros vêm cada vez mais descobrindo as belezas do Uruguai e a hospitalidade tranquila, cortês, discreta e sempre atenta dos uruguaios. Os ônibus de turismo, por exemplo, têm mais brasileiros do que qualquer outra coisa... Prova disso é que saí daqui de Limeira e, fazendo o citytour de Montevidéu, no segundo dia da viagem, conheci um casal de Brasileiros de Sampa, Alessandra e José Eduardo (acompanhados pela mãe dela, Ana). E tinha que ser naquele dia, naquela hora, porque depois do almoço partiram para Punta Del Este, tomando nossas viagens rumos bem diferentes, e não mais os vi. Contudo, apesar do pouco tempo, trocamos ideias, contatos e sempre estamos nos falando... Mundo pequeno...

Mas, como eu dizia, quando a gente diz que é brasileiro no Uruguai, na grande maioria das vezes, o interlocutor abre um sorriso e se abre por inteiro; conta o que conhece do Brasil; diz que já está acostumado à alegria ruidosa dos brasileiros; faz perguntas, quer saber, faz o máximo possível para aproximar-se do português se percebe que não é entendido em espanhol. Isso quando os uruguaios não falam o português mesmo, principalmente os gaúchos da fronteira ou aqueles que por alguma razão têm uma ligação estreita com o Brasil.

Outro traço brasileiro sempre presente no Uruguai é a música: da sertaneja à mpb, passando pelo chorinho e outros gêneros mais, o português brasileiro cantado está sempre saindo dos auto-falantes, assim como os ritmos quebradinhos e as melodias dissonantes tão típicas do Brasil. Inclusive, não poucas vezes ouvi uruguaios cantando em português. E isso tudo lá, bem longe do Norte, bem distante da fronteira com o Brasil. Cheguei mesmo a ouvir no rádio um anúncio de um show da Gal Costa que aconteceria em Montevidéu em poucos dias, cujos ingressos estavam sendo vendidos.

E como não poderia deixar de ser, a presença das novelas brasileiras se faz sentir fortemente no Uruguai. Dubladas em espanhol, claro, como fazemos com as mexicanas aqui, mas sempre há uma oportunidade para um brasileiro encontrar uma de suas novelas para assistir, se tiver um tempinho de passar pelos canais. E, claro, temas brasileiros também andam pelos noticiários. No meu caso, ouvi sobre a eleição presidencial, quando a candidata Marina Silva estava no auge de sua campanha e de sua popularidade.

Enfim, para todos os brasileiros com os quais cruzei no Uruguai por alguma razão, de passagem, a palavra que mais frequentemente resumia o país e o povo era satisfação. Quanto a mim, penso que a palavra que melhor os resume seja afetividade; palavra não, expressão. Afetividade cálida é a expressão que melhor os resume. E levada por essa afetividade, um dia, eu volto... Quem sabe?! Assim, para encurtar a despedida que não aprecio, termino a crônica e a série simplesmente com um “até breve”!

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Recuerdos Del Paisito: Uruguay, Un Poco De Sociopolítica

Uma das coisas que notei com simpatia ao passar uma semana entre os uruguaios foi a maneira genuína como falam de seu país, como prezam seu chão, seu lugar no mundo. É claro que escrevo como uma observadora estrangeira, turista, que teve pouco tempo para poder ficar ao par das coisas, mas penso que não se trata nem do patriotismo exacerbado que muitas vezes parece caracterizar os estadunidenses, nem da falta de patriotismo que infelizmente acomete o Brasil, característica que só se modifica aqui quase que exclusivamente durante as copas do mundo. Esse papo de que o gigante acordou é balela; ele está, novamente e por tempo indefinido, no mesmo estado letárgico do qual saiu momentaneamente no ano passado. Recentemente li um artigo que definia o Uruguai como um país de grandeza discreta, e é asssim, discretamente, que os uruguaios descrevem as conquistas de seu país; discreta porém alegremente, com reconhecimento. Valorizam o que conseguiram, satisfeitos pela caminhada, mas sempre de olhos postos no futuro, criticamente, com a humildade que lhes é tão característica, sabendo que é preciso agir firmemente para que as recompensas venham e para que a maior quantidade possível de problemas possa ser evitada, no curto, médio e longo prazo.

Na crônica anterior a esta, em que abri alas ao general Artigas, foi possível perceber, examinando mais detidamente sua figura, como o Uruguai, desde seu início, caracterizou-se ou tentou caracterizar-se por uma postura integracionista de nação. Basta, para isso, recordar que artigas tinha seguidores de diversas proscedências, que muitas vezes professavam sua fé de maneira distinta uns dos outros e provinham de diferentes estratos sociais. Não estou aqui dizendo que isso tenha dado certo sempre, nada dá sempre certo, até por essa ser uma questão de pontos de vista. Mas a postura integracionista foi a opção escolhida pelos uruguaios várias vezes ao longo do caminho e parece ter sido exitosa em muitas ocasiões, como deve ter sido possível notar àqueles que me acompanharam até aqui.

Essa postura integracionista de nação pode ser constatada e confirmada por outros indícios além da figura do prócer da pátria uruguaia. Vejamos: o Uruguai é um país que não tem religião oficial prevista em constituição, embora uma parcela significativa de sua população remeta à tradição católica. Esses modos laicizantes proporcionam que a igreja não interfira decisivamente nas iniciativas civis do país. Disso resulta um debate democraticamente saudável, que trata a religião como uma das facetas a ser analisada nas situações, mas não de maneira predominante. Tal debate só está arraigado e definido tão fortemente na política uruguaia porque aparece já na vida cotidiana do país. Essa tendência pode ser percebida, por exemplo, quando em um romance como A Trégua, o consagrado escritor uruguaio Mario Benedetti mescla a suas reflexões políticas e/ou cotidianas um debate entre os dois protagonistas – namorados e com uma diferença grande de idade. Ambos, sentados na praia vazia, olham as ondas escuras e dialogam sobre a possibilidade ou não da existência de Deus: ele, racionalmente, defendendo que Deus não existe. Ela, sem precisar de comprovações para sua fé, sustentando que sim, ele existe e está em tudo e em cada coisa. Esse é um lance no relacionamento dos dois, mas trata-se de uma diferença que, embora exista dentro do casal e da obra literária em si, não é decisiva para o desfecho da trama. O livro se nos apresenta como uma microrrepresentação do próprio país.

Quanto à educação, no Uruguai ela é laica, além de obrigatória e gratuita, do ensino elementar ao superior, praticamente inexistindo o analfabetismo no país. E quando digo educação não me refiro a esse arremedo estatístico de escolarização global que temos, em que uma porcentagem imensa dos alunos é posta na escola graças a pífias recompensas monetárias governamentais e uma grandessíssima parte deles a frequenta sem aprender o que deve, nem da maneira como deve. O uruguaio é um povo politizado, consciente de seus deveres e direitos, crítico, desde o motorista ao empresário, e isso só se consegue com educação de qualidade.

Essa mentalidade crítica formada desde cedo e de maneira ampla e irrestrita entre a população do país deu lugar, desde logo na história, a posturas legais distintas que fazem do Uruguai um país de vanguarda. Em 1907, torna-se o primeiro país latino-americano a legalizar o divórcio, permitindo, ainda, que essa fosse uma iniciativa feminina já em 1913. Em 1932, passa a ser o segundo país a reconhecer o direito ao sufrágio feminino. No entanto, a aprovação e vigor de leis vanguardistas não significam que essas leis recebam 100% da aprovação dos uruguaios; aliás, em nome de uma real democracia, é muito bom que assim seja. Em 2013, torna-se o terceiro país latino-americano a permitir o aborto nas doze primeiras semanas de gravidez, apenas uma das medidas polêmicas aprovadas durante o governo do atual presidente, José Mujica, que lhe trouxeram críticas severas por parte de setores mais conservadores da sociedade. Também em 2013 o Uruguai se coloca como o segundo país sul-americano a aprovar o casamento igualitário, permitindo ainda o ingresso de homossexuais nas forças armadas. Retrocedendo um pouco na história, no princípio do século XX regula o consumo e venda do álcool, revertendo seus lucros à saúde pública, e em 2013 passa a ser o primeiro país do mundo a legalizar a produção, venda e distribuição da maconha sob o controle do Estado, medida que tem suscitado discussões calorosas no país.

O presidente Mujica goza de uma popularidade alta. Permite que pessoas socialmente menos favorecidas habitem o palácio onde deveria viver; usa apenas uma parte mínima de seu salário; vive em uma casa modesta e dirige um fusca azul. É conhecido por seu estilo austero de vida. Embora admirado por grande parte daqueles que governa, também há uruguaios que se perguntam por que seu mandatário adota esse estilo em que aos mais humildes é dado apenas o básico do básico; por que não se pode estender a eles também outras comodidades que, em nossos dias,são necessárias a um mínimo de conforto.

O fato é que, ao que tudo indica, José Mujica, que não pode reeleger-se, pois não existe esse mecanismo eleitoral nas leis uruguaias, conseguirá ajudar a eleger o candidato de seu partido – a coalisão de esquerda Frente Ampla. Trata-se do ex-presidente Tabaré Vázquez que, de acordo com as pesquisas, deverá voltar a governar seu país. Cabe salientar que, embora do mesmo partido, há diferenças visíveis entre os modos de governar de Mujica e Vázquez, o que, a se confirmar aquilo que predizem as pesquisas, deve preconizar mudanças em determinados rumos do país. No exato dia em que tivemos o segundo turno de nossas eleições presidenciais, os uruguaios votaram em primeiro turno para começar a decidir quem os governará pelos próximos cinco anos. Porém, as semelhanças param por aí. Enquanto aqui temos mais de trinta partidos políticos que parecem não atender a nenhuma outra ideologia que não seja a dos interesses próprios de cada candidato, estabelecendo coligações absurdas e alianças ideologicamente impensáveis às pessoas de algum senso, no Uruguai os partidos políticos são três, ideologicamente bem distintos, fenômeno que deveria verificar-se em qualquer país com intenções políticas realmente sérias. Lá, quando um candidato troca de partido, ele tem apenas duas opções: começar um novo partido do zero ou aposentar-se definitivamente da política. Evita-se, assim, esse troca-troca promíscuo de partidos que ocorre em certos lugares que nos são de alguma forma familiares.

Como em todos os países do mundo, governados pelos mais diferentes regimes, há pontos que os uruguaios gostariam de melhorar, de modificar, porque sempre vão haver e têm que haver; porque a estagnação é daninha em qualquer campo da vida. O que realmente me impressiona é saber que logo aqui, pertinho, há um lugar politicamente tão distinto, porque a vontade política é quase tudo quando se trata do bom governo de um país.

Bem à moda de Platão, termino este texto esboçando apenas um breve e despretensioso panorama, até porque a unanimidade dificilmente existe além do próprio vocábulo que a define. No entanto, dialogando platonicamente com os possíveis leitores desta crônica, deixo no ar uma pergunta: como um país pequeno, com pouca diversidade de fontes de renda, consegue fazer tanto, por exemplo, no que diz respeito à educação, isso para não mencionar outras áreas, enquanto que nós, um país de duzentos e poucos milhões de habitantes, farto em espaço e recursos capazes de fazer a economia girar, estatisticamente fazemos tanto e continuamos fazendo essencialmente tão pouco? A resposta pode ser dada mentalmente mesmo, pelos leitores aí do outro lado da telinha; um belo caso para se pensar... Eu, por minha parte, já tenho uma teoria; já vislumbro uma resposta.